A poesia na prosa de Ariano Suassuna e Guimarães Rosa

Como podemos fazer para compreender um pouco sobre a presença da poesia em prosa há também chamada prosa poética?

Temos diversos autores romancistas que se utilizam da multiplicidade de sentidos e abertura de percepções da poesia para imprimirem um caráter misterioso ou banal ou Popular ou simbólico aos conteúdos e aos rumos da história que contam do romance que prosam.

Esse artigo tratará especificamente de dois autores que trabalham desta maneira, se colocando no campo poético para buscarem este tipo de sentido mais aberto

Ariano Suassuna é reconhecido principalmente por sua dramaturgia em peças famosos ou nem tanto porém sempre reconhecidas pela crítica como seu carro chefe sendo "O Auto da Compadecida" sua principal composição teatral. Veja sua obra abaixo.

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Teatro

Uma mulher vestida de Sol (1947)
Cantam as harpas de Sião ou O desertor de Princesa (1948)
Os homens de barro (1949)
Auto de João da Cruz (1950)
Torturas de um coração (1951)
O arco desolado (1952)
O castigo da soberba (1953)
O Rico Avarento (1954)
Auto da Compadecida (1955)
O casamento suspeitoso (1957)
O santo e a porca (1957)
O homem da vaca e o poder da fortuna (1958)
A pena e a lei (1959)
Farsa da boa preguiça (1960)
A Caseira e a Catarina (1962)
As conchambranças de Quaderna (1987)
Fernando e Isaura (1956, inédito até 1994)

Romance

A História de amor de Fernando e Isaura (1956)
O Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971)
História d'O Rei Degolado nas caatingas do sertão /Ao sol da Onça Caetana (2015)
A Ilumiara – Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores (2017) – publicação póstuma

Poesia

O pasto incendiado (1945-1970)
Ode, (1955)
Sonetos com mote alheio (1980)
Sonetos de Albano Cervonegro (1985)
Poemas (antologia) (1999)
Os homens de barro (1949)

Em termos de romance temos Ariano como um romancista que em vida escreveu quatro romances sendo o último publicado postumamente e lançado ao final do ano de 2017 três anos após sua morte.

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No primeiro romance de nome "Romance d'A Pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta" Ariano conta uma história longa em que poetas, escritores e críticos tecem comentários abordando tal obra como sendo um "romance memorial poema folhetim de uma atmosfera de febre com a fantasmagoria de suas desaventuras" segundo fala o poeta e escritor Carlos Drummond de Andrade; diz ainda Drumond que "escrever um livro assim deve ser uma graça mas é preciso merecer a graça da escrita e que não é qualquer vida que gera obra desse calibre."

Independente dos elogios tecidos por Drummond vemos em seu comentário a inserção da poesia dentro do romance ele chama de "poema-folhetim" caberia observarmos um trecho inicial do romance para entendermos que ele todo é permeado pela poesia

Eis o trecho do folheto 1 — Pequeno cantar acadêmico a modo de introdução observe a poesia dentro da prosa

"Daqui de cima, no pavimento superior, pela janela gradeada da Cadeia onde estou preso, vejo os arredores da nossa indomável Vila sertaneja. O Sol treme na vista, reluzindo nas pedras mais próximas. Da terra agreste, espinhenta e pedregosa, batida pelo Sol esbraseado, parece desprender-se um sopro ardente, que tanto pode ser o arquejo de gerações e gerações de Cangaceiros, de rudes Beatos e Profetas, assassinados durante anos e anos entre essas pedras selvagens, como pode ser a respiração dessa Fera estranha, a Terra - esta Onça-Parda em cujo dorso habita a Raça piolhosa dos homens. Pode ser, também, a respiração fogosa dessa outra Fera, a Divindade, Onça-Malhada que é dona da Parda, e que, há milênios, acicata a nossa Raça, puxando-a para o alto, para o Reino e para o Sol."

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Podemos avaliar que há uma descrição de uma paisagem, mas que há uma espécie de delírio embutido nessa descrição. Um delírio mítico, um delírio de fome, um delírio decorrente do Sol que esbraseia o cérebro de quem fala e descreve o que vê; mas também um delírio poético com imagens que transpassam nossa capacidade de representação. O ambiente de cangaceiros, beatos e profetas o ambiente dramático e trágico dos assassinatos repetidos por anos entre pedras selvagens; as onças, as feras, as divindade,s a inclusão da nossa raça sendo absorvida, puxada para o reino (o que seria esse reino?) e para o Sol, finalizando o texto livremente poético mas que, não podemos deixar de recordar, é, de fato, prosa.

Já Guimarães Rosa traz em sua prosa alguma distância desse universo Fantástico que permeia a obra de Ariano. Guimarães traz em seu texto a possibilidade do linguajar, diria até da língua popular eruditizando-se o tempo todo, como se fosse uma proposta de livre "apoetamento" do texto.

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Tanto é que a sonoridade é necessária para muitas vezes conseguimos compreender ou intuir o sentido em seu trabalho de prosa

Diferente de Ariano notoriamente um dramaturgo, Guimarães é romancista e possui uma vastidão de textos em sua ficção:

1936: Magma
1946: Sagarana
1952: Com o Vaqueiro Mariano
1956: Corpo de Baile: Noites do Sertão
1956: Grande Sertão: Veredas
1962: Primeiras Estórias
1964: Campo Geral
1967: Tutaméia – Terceiras Estórias
1969: Estas Estórias (póstumo)
1970: Ave, Palavra (póstumo)
2011: Antes das Primeiras Estórias (póstumo)

A obra de Guimarães Rosa no romance é vasta porém toda sua estrutura é poesia pura.

Veja esse trecho de uma entrevista em que Rosa declara não ser um romancista ele diz "Sou um contista de contos críticos. Meus romances e ciclos de romances são na realidade contos Nos quais se unem a ficção poética e a realidade"

No conto o burrinho pedrês Rosa coloca o burrinho como elemento Central eixo da prosa em certo momento dramático o burrinho se prepara para atravessar um rio em enchente e Rosa escreve:

"O burrinho se encolheu, deu um bufo. Avançou mais. Pesado, espadanando, pulou um corpo, por perto. - "São Bento me valha, que aí vem jacarezão, caçando o que comer!" - O mundo trepidava. Pequenas ondas davam sacões, lambendo Badu. Escurão. O burro pára. O mundo bóia. Mas Sete-de-Duros esperou foi para deixar passar, de ponta, um lenho longo, que vinha com o poder de uma testa de touro. Desceu, sumiu. Em cima, no céu, há um pretume sujo, que nem forro de cozinha..."

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Podemos ver que o trabalho descritivo da cena vem costurado por linhas de cores diversas, palavras simples do povo que se mesclam de maneira simples e ao mesmo tempo extremamente sofisticadas.

É a verdadeira criação de uma nova língua que Rosa em sua prosa determina poeticamente. Somente o som falado consegue muitas vezes permitir que mergulhemos dentro desse universo junto do burrinho 7 de ouros e de Guimarães Rosa

Dois grandes escritores trabalhando a poesia em sua prosa: Ariano Suassuna e Guimarães Rosa.

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